sábado, 7 de maio de 2011

Por unanimidade, STF reconhece a relação entre pessoas do mesmo sexo, garantindo direitos, como a partilha de bens ETC, e abre precedentes jurídicos polêmicos!!!

O Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão histórica ao reconhecer ontem a existência da união estável entre companheiros do mesmo sexo. Por unanimidade, os ministros definiram que as uniões homossexuais configuram uma entidade familiar. A partir de agora, em tese, casais gays passarão a ter direitos previdenciários e poderão partilhar bens e herança, assim como fazer declaração conjunta de Imposto de Renda e adotar filhos.
Estamos a um passo de criar uma grande crise religiosa e jurídica, caso os casais entendam que sua fé tem que abençoada a união do mesmo sexo, queiram que as denominação exemplo a Igreja Católica etc., se negue a fazer o casamento, ou batizar um filho adotado, os requerente poderá requerer na justiça a segurança para lhe garantir o direito, imagina o Padre ou o Pastor dirigindo os trabalhos chega o Oficial de Justiça para cumprir o mando ordenando o religioso a tal cumprimento.
Outro fato que poderá criar um grande debate jurídico são as separações de casais homem e mulher que envolve filhos na disputa da guarda, caso um dos separados venha a ter relação do mesmo sexo e queira brigar pela guarda do menor e as visitas, entende se mais pelo principio de igualdade pelo direito.
Analisando juridicamente, abriu se enormes procedentes ao mundo jurídico para tal situação.
Pelo entendimento o que não é proibido é permitido. O direito ao reconhecimento art. 226, § 1º, 2º, 4º, 5º. 7º e 8º, CF, o principio da igualdade, art. 5º CF.

Princípio da Igualdade
É certo que o encerramento do que seja a igualdade em fórmula concisa – se tal proeza for possível – interessa antes à Filosofia Política, mas não o é menos que os resultados terão influência profunda e poderosa na inteligência do direito positivo, que se apropriou do vocábulo. O pretexto de pureza metodológica, portanto, não serve de escusa para fugir a um exame, ainda que sumário, das diferentes acepções, embora se dando preferência àquelas incorporadas pelos jusfilósofos e pelos publicistas.
De especial interesse para o Direito é a distinção da igualdade perante a norma e na norma (tomando-se aqui em sentido restrito, como sinônimo de regra ou preceito). No primeiro caso, tem-se tratamento igual se o paradigma é respeitado, imparcialmente, pelo aplicador (quer dizer, a própria norma é o parâmetro de igualdade, efetivamente atuado). O segundo é mais problemático: será possível determinar se uma norma é, em si, igualitária? O tema é exemplo do influxo omnipresente de ARISTÓTELES, que concebeu os seguintes significados:
(a) igualdade numérica ou absoluta (tudo igual para todos): seria a distribuição de benefícios e ônus, em partes idênticas, a todos, criticável do ponto de vista da inverificabilidade. Não há notícia de Sociedade que não tenha efetuado alguma espécie de discriminação (nem de normas que assim não procedam: portanto, toda regra de distribuição seria desigualitária). Mas esta concepção tem alguma relação com a promessa feita nas declarações de direitos fundamentais, que, pelo menos em aparência, atribuiriam-nos equanimemente a todos;
(b) igualdade proporcional (ou proporcional-quantitativa: a cada qual e de cada qual segundo certas características de grau variável): é a atribuição de benefícios maiores aos mais necessitados e ônus progressivos aos mais aquinhoados. A aplicação deste princípio depende da existência de uma regra de distribuição, cujo critério de materialização mais ou menos intensa a determine. Mas, neste caso, toda norma geral seria igualitária, por conter na hipótese elemento descritivo que serve de pauta à intensidade da distribuição;
(c) igualdade proporcional pelo mérito (a cada qual segundo seu merecimento): é uma variante da anterior, mas se tomando como característica decisiva o mérito individual relativo. O problema está na subjetividade da avaliação do mérito pessoal (é mais fácil determinar o valor relativo de coisas do que de pessoas), a reclamar a intermediação de critérios definidores, com o que, mais uma vez se reduz este caso ao da igualdade proporcional geral;
(d) igualdade pelas partes iguais ou proporcional-qualitativa (o igual aos iguais e o desigual aos desiguais): se tomado nesta pureza, resultaria, de novo, em que toda norma fosse igualitária, pois esta atribui ou exige conforme o atributo que designa como relevante, para identificar semelhança ou diferença;
Como vimos, a igualdade perante a norma poderia, em tese, ser atendida mediante qualquer das concepções elencadas, mas não a igualdade na norma, posto que no caso (a) ela é desnecessária e nos demais casos a aplicação do princípio reclamaria a intermediação de uma regra de distribuição. De modo que toda norma, enquanto condiçãosine qua non de realização do princípio, seria igualitária (sob um certo ponto de vista). Vale dizer, se a igualdade pode predicar-se ou não da norma, as definições (b), (c) e (d) não ajudariam a responder. Tornaremos a esta aporia.
Diante deste fracasso, poder-se-ia intentar, com FELIX OPPENHEIM, uma conceituação em termos mínimos, o que se poderia chamar de (e) igualdade de nivelamento. Dado que a regra (a) é inviável, aceita-se a existência de diferenças e, supondo-se que a distribuição inicial é desigual, procura-se uma regra de redistribuição que, em relação ao estado anterior de coisas, tem resultado igualitário. Assim seria, por exemplo, a regra que garantisse um nível mínimo de renda (e.1 – nivelamento de riqueza) ou acesso a certos cargos ou posições (e.2 – nivelamento de oportunidades). Análoga a estas seria a regra que reconhecesse um mínimo de necessidades (e.3 – nivelamento pela satisfação de necessidades fundamentais). O mote de Marx e Engels (a cada qual segundo sua necessidade) implicaria numa radicalização de (e.3), por não reconhecer um mínimo comum, tão-só necessidades individuais e irrepetíveis. Por outro lado, o aforisma a cada qual segundo sua capacidade seria um complemento de (e): uma vez atingido o nivelamento mínimo, estabelecer-se-ia a livre competição entre indivíduos. Trata-se de uma variante de (c), que se pretende mais objetiva porque teria em vista habilidades específicas.
Interessante é que nem sempre a igualdade, no pensamento ocidental, surge como valor positivo. Se em ROUSSEAU vincula-se a um estágio primitivo de felicidade, que se há de recuperar pelo pacto social, em HOBBES liga-se a uma condição miserável e odiosa. O bellum omnium contra omnes é possível porque os homens, igualmente livres, previnirão seu estado de insegurança pela iniciativa da agressão. Em todo caso, a hipótese é a de igualdade no estado de natureza.
O tema que nos ocupa é discutido na importante investigação de KELSEN sobre “O Problema da Justiça”. Seu pressuposto metodológico é o de rígida separação do mundo do ser e do dever-ser. Uma disciplina que se pretenda científica deve analisar um destes âmbitos ontológicos sem confusão e sem a emissão de juízos de valor. Admite-se, portanto, a investigação sobre as diversas idéias da justiça, sem se decidir por alguma delas. A justiça é uma qualidade que se pode atribuir a indivíduos ou a sua conduta social, segundo sua adequação com uma norma. As condutas (ser), portanto, são justas por referência a uma norma de justiça (dever-ser), mas seria um contra-senso predicar o mesmo desta norma. Isto só seria possível mediante o confronto com uma norma ideal de justiça (dever-ser), mas, se resultasse colisão, então uma das adversárias não seria válida (quer dizer, não seria norma, porque para KELSEN a validade é seu modo de existência), porque têm idêntico estatuto ontológico. Observar que o Direito Positivo vale enquanto harmônico com uma norma de direito natural significa concluir que não pode ser injusto, mas também que não pode ser justo (em ambos os casos o que vale é a norma de justiça ideal; e só). Abstrair disto, conclui o mestre de Praga, é o princípio do positivismo jurídico. Em outros termos: “a validade de uma norma não pode ser fundamentada sobre um fato da ordem do ser”. Um dos aspectos que a justiça pode tomar – e, como frisamos, a ciência não o pode indicar como preferível, pois as valorações são proibidas – é o da igualdade. Expressão dela é a norma “todos os homens devem ser tratados por igual”, que não exprime a absurda ilação de que todos sejam iguais, mas que as desigualdades de fato são irrelevantes para o tratamento dos homens. No extremo oposto, o princípio de que cada caso particular deva ser tratado como tal (é o ideal da plena flexibilidade do direito; a justiça do caso concreto). A norma de justiça pela qual todos devem ser tratados de forma igual nada diz sobre o conteúdo desse tratamento; aplicada a qualquer que fosse, conduziria a conseqüências absurdas. “Por isso – prossegue KELSEN – o princípio, plenamente formulado, diz: ‘quando os indivíduos são iguais – mais rigorosamente: quando os indivíduos e as circunstâncias externas são iguais – devem ser tratados igualmente, quando os indivíduos e as circunstâncias externas são desiguais, devem ser tratados desigualmente’.” Mas este não é, de forma alguma, um princípio de igualdade, porque postula, ademais de um tratamento igual, um desigual. Segundo: supõe uma norma de igualdade, que defina as qualidades em relação às quais as desigualdades serão levadas em conta. Assim sendo, a exigência de trato diverso é de lógica e não de justiça: deve-se ao caráter geral de uma norma que prescreve que, para determinado pressuposto, deve ser uma determinada conseqüência. Terceiro: é possível que uma norma seja aplicada a um só caso, enquanto que o conceito “igual”, sendo de relação, exige pelo menos dois fatos ou situações. Em conclusão: a justiça não é igualdade.
Por caminhos diversos, KELSEN aponta para os resultados que já nos ocuparam. A igualdade da proposição (a) é inviável, enquanto que a da proposição (d) é mera explicitação do vínculo deôntico entre antecedente e conseqüente. Assim, se não faria sentido dizer da justiça de uma norma, também não faria reputá-la igualitária.
Outra conclusão pessimista deriva do fato de que KELSEN aborda também os outros enunciados que referimos (chamando-os de diferentes normas de justiça racional), para aduzir que estão necessariamente em conflito uns com os outros: “... um conceito geral de justiça apenas pode ser algo de completamente vazio.”
Não obstante, a tentativa de estipular um conceito formal foi levada a efeito por PERELMAN. Desta vez, a premissa metodológica é a de que as disciplinas filosóficas não logram a mesma precisão das científicas, porque operam com termos de coloração emotiva. O acoplamento do sentido emotivo faz com que se confira um valor ao que é definido, impossibilitando acordos sobre as noções fundamentais. Daí o intento de retirar este defeito da noção de justiça, “a mais irremediavelmente confusa”, porque se confunde com o valor da moralidade inteira. Neste ponto, é bom esclarecer que nos debruçamos, novamente, sobre o problema da justiça porque as enunciações mais correntes, catalogadas pelo notável professor belga (e chamadas por ele de justiça concreta), são todas correspectivas da igualdade, a saber:
“1. A cada qual a mesma coisa.
2. A cada qual segundo seus méritos.
3. A cada qual segundo suas obras.
4. A cada qual segundo suas necessidades.
5. A cada qual segundo sua posição.
6. “A cada qual segundo o que a lei lhe a.”
Diante deste rol, prossegue PERELMAN, três atitudes são possíveis. Pode-se declarar que não têm absolutamente nada em comum. Isto conduziria à segunda atitude, a de escolher uma única admissível. Por fim, pode-se pesquisar o elemento comum que torne realizável um acordo unânime. Isto se logra adotando-se um elemento indeterminado, semelhante às variáveis da matemática. Nenhum dos enunciados opõe-se ao fato de que justo seja tratar de forma igual os seres que são iguais a respeito de certa característica essencial. Portanto, define-se a justiça formal ou abstrata como “um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma”. Assim, temos a distinção com as fórmulas de justiça concreta, que representam diferentes cosmovisões (cuja escala de valores modifica-se no tempo) e são as únicas a partir das quais pode-se dizer do direito “injusto” (contra KELSEN). O Direito Positivo só não pode entrar em conflito com a justiça formal.
Percebe-se, facilmente, que se chegou a pelo menos dois resultados contrastantes. KELSEN nega qualquer relação da justiça com a igualdade (enquanto que PERELMAN faz desta o elemento invariável daquela), mas isto porque só admite o uso da última expressão no caso mais extremado e radical (a), cuja falta de operacionalidade ninguém nega. Se for concedido que, ao lado daquela igualdade absoluta, possa-se cogitar de igualdades relativas, a disputa mostraria seu caráter verbal. O emprego universal da expressão assim admite, de modo que a decisão de restringi-lo à igualdade absoluta resulta arbitrária. Para KELSEN, ainda, não seria possível qualificar a norma jurídica de igualitária ou não, porque ela é necessária para precisar o que PERELMAN chama de “categoria essencial”, em função da qual haverá ou não trato uniforme. O último autor pensa o contrário; só não se pode estabelecer tal juízo de valor a partir da noção formal de justiça. De novo, esta solução é mais equilibrada. Se uma norma de direito positivo distribuir posições conforme a produtividade, um partidário da igualdade-mérito poderá sustentar sua justiça, enquanto que o defensor da igualdade-necessidade terá argumentos em contrário. Voltando ao problema que deixamos em aberto: toda norma é igualitária relativamente à característica essencial que adota na hipótese, mas pode ser criticada sob o ponto de vista dos princípios de justiça concreta que ignore. Realmente, só não seria viável desenvolver estes argumentos a partir da conceituação puramente formal.
Há desenvolvimento semelhante de premissas na obra de ALF ROSS. Parte da constatação de que a uniformidade perfeita não possa ser o que se entende geralmente por justiça. A exigência de igualdade há de ser compreendida em sentido relativo, como exigência de que os iguais sejam tratados da mesma maneira. Tem de haver algum critério relevante para determinar o que se há de considerar como igual, em relação aos membros de uma classe. Depois de apreciar as pautas de valoração expostas por PERELMAN, a quem menciona expressamente, conclui que o ideal de igualdade significa, simplesmente, a aplicação de uma regra geral. Qualquer que seja o conteúdo desta, a exigência de racionalidade resulta satisfeita, segundo um critério material pressuposto. As palavras “justa” e “injusta” só se aplicam para caracterizar uma decisão que observe o critério de regularidade, mas não uma regra geral ou uma ordem. Nesta última hipótese, expressariam significado emotivo: dizer que se está contra uma regra por ser injusta é o mesmo que asseverar que é injusta porque se está contra a própria. Tais palavras contêm persuasão, não argumento. Impossibilitam qualquer discussão racional. Conduzem à intolerância e ao conflito, porque incitam a crença de que a demanda própria não é a expressão de um certo interesse, mas que possui uma validade superior, de cunho absoluto. Deve-se pôr de lado qualquer postulado material em nome da justiça. ROSS admite, porém, que esta arma ideológica seja, no mais das vezes, fruto de ilusão, facilitada pelo estímulo das glândulas supra-renais (!). Quanto ao direito positivo, concede que há algum sentido quando se determina ao legislador observar a igualdade, não obstante exigências tais como sexo e raça. Mas carece de senso proibir distinções com fulcro em características consideradas “irrelevantes”; ou indicar a igualdade abstrata como guia do exercício da discricionariedade administrativa; ou predicá-la dos Estados, no Direito Internacional; ou ainda a invocar para excluir indenização pelas restrições de propriedades “do mesmo tipo”. Se diz, outrossim, que as características distintivas têm de estar “bem fundadas” ou devam ser “razoáveis”, substitui-se a idéia de igualdade por uma referência ao que se considera justo segundo uma opinião subjetiva ou emocional.“Tal principio no es un principio auténtico, sino el abandono de todo intento de análisis racional”, arremata.
A severidade e o sarcasmo de ROSS talvez impeçam o leitor apressado de averiguar que, afinal de contas, não exclui toda possibilidade de discussão a partir dos critérios que se sucedem, em menor grau de abstração, ao de justiça puramente formal. Antes de abandonar-se à ira, admite que “el valor de estas reglas, obviamente, no está por encima de toda discusión; ellas debem ser justificadas a la luz de sus consecuencias prácticas”. Se for assim, porém, conviremos em que a racionalidade possa intervir e o debate possa ser mais do que um conjunto de reações fisiológicas, ou, como diz o autor, um golpe sobre a mesa. Precisamente, pelos efeitos sociais que possam gerar, é viável um compromisso refletido sobre a incidência casuística da igualdade-necessidade; igualdade-mérito; igualdade-capacidade, etc.
Encontra-se concepção isonômico-política em JOHANNES MESSNER. A par da natureza comum, os homens ostentam notórias desigualdades individuais que os tornam entes complementares, de onde a cooperação social. A igualdade social, ideal só desenvolvido em período histórico recente, excede, de longe, a liberdade jurídico-formal do liberalismo clássico e a igualdade mecanicista do socialismo, que tende a defini-la como mero problema de distribuição. Ambas tratam de uma sociedade de massas, fazendo abstração das individualidades como personalidades conscientes de suas responsabilidades e dispostas a progredir. O conceito do professor de Viena engloba, além daqueles aspectos, “... a igualdade de todos os membros da sociedade no sentido de todos participarem da responsabilidade e decisões a serem tomadas pela administração da comunidade, que assegura a consecução dos fins do bem-comum (...)”.
É de bom aviso, neste ponto, que todo este debate não importa no exercício de um academicismo estéril; pode ser transcrito em termos dogmático-jurídicos. Já tivemos ocasião de assinalar que as diversas Cartas Constitucionais apropriam-se da idéia igualitária absoluta ao garantir certos direitos fundamentais (como a vida, liberdade, segurança, etc.). A par disto preconizam a chamada igualdade formal, que consiste numa combinação do que chamamos de igualdade perante a lei com a vedação expressa de certas discriminações (pelo sexo, origem, cor, crença, etc.). Todavia, vê-se diante da aporia de que legislar significa discriminar ou produzir recortes na realidade, atribuindo a cada setor um tratamento específico. Daí, em primeiro lugar, certa atitude de desconfiança com as leis que provejam casos particulares. No Estado de Direito, a lei há de ser, pelo menos em regra, geral. Em segundo, vem a preocupação de que o legislador possa pautar-se por critérios diferenciais odiosos, o que só parcialmente é resolvido pelas proibições a que aludimos. Daí o tema da igualdade na lei, que prossegue ocupando os juristas de maior nomeada. Um deles, até, identificou-o com o próprio conteúdo jurídico do princípio (tornaremos a isto). Cumpre haver racionalidade nas discrepâncias – certa consistência entre a discriminação e os fins que se visam lograr. Nos ordenamentos jurídicos que preservaram a ordem econômica descentralizada (isto é, de mercado), todavia, todos estes esforços resultaram insuficientes. Origina-se aqui a pretensão de o Estado formular políticas de resultado igualitário, o que põe em questão todos os tópicos que discutimos (regras de atribuição pela capacidade, necessidade, nivelamento, etc.). Notadamente, a se aceitar a idéia de bem-comum como o conjunto de condições necessário ao pleno desenvolvimento da personalidade humana, adveio a questão social e o senso de igualdade substancial. Ocorre que a ênfase neste sentido, acompanhada da concepção da lei como instrumento do Estado do Bem-Estar, exponencia as distinções e coloca-se em tensão dialética com a própria igualdade formal. Os notáveis, novamente, debruçam-se sobre este problema: logo os mencionaremos. Por último, estes problemas repercutem na esfera de aplicação da lei. Obviamente, o princípio será frustrado se o juiz for exageradamente sensível às circunstâncias da causa particular, por isto que a equidade vê-se em contradição com o ideal de segurança jurídica. Um arguto observador dos ordenamentos da família romano-germânica chega a falar, mesmo, num sentimento geral de ansiedade em torno do tema da segurança.
Voltemos, porém, ao que deixamos em aberto. A preocupação com o esfacelamento da igualdade em sentido formal e seus reflexos no ordenamento infraconstitucional é manifestada por MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO:
“A politização da lei abala o princípio de igualdade.
Este, se, no Estado de Bem-Estar, aparentemente redobra de prestígio, no fundo se desvaloriza. Com efeito, no desiderato oficialmente declarado de estabelecer uma igualdade ‘real’ entre os homens e grupos, num tratamento diferenciado em razão de suas condições peculiares, multiplicam-se as distinções.
Ocorre, então, ‘um recuo da generalidade da lei’, como sublinha Terré. E chega a produzir-se um ‘éclatement’ do direito comum. De fato, este se reduz ao campo restrito enquanto se multiplicam os direitos ‘especiais’.
(...)
Por outro lado, esse direito ‘igualizador’ não raro se torna um direito de privilegiamento. Sim, porque a razão justificadora da distinção não é freqüentemente uma diferença real, ou a diferenciação não obedece à relação entre meio e fim que a poderia justificar. Costuma ser ditada, ou deformada, em decorrência de cogitações exclusivamente políticas.”
Complementando isto, nas palavras de KONRAD HESSE, “se o conteúdo do princípio da igualdade, na prática judicial, é convertido em negativo e entendido como proibição de diferenciação não-objetiva ou de tratamento arbitrário, então tais fórmulas são (...) adequadas para reduzir o alcance material do princípio.”
A outra dificuldade que deixamos pendente é abordada pelo conhecido ensaio de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO. O preceito magno é dirigido tanto ao aplicador quanto ao próprio legislador. A lei não pode ser fonte de privilégios ou perseguições (o que para ROSS, como vimos, é uma locução vazia). Estes enunciados, aliás, ressentem-se de excessiva generalidade, bem como aquele de ARISTÓTELES. A pergunta, portanto, é: quem são os iguais e os desiguais? Qual o critério de distinção legitimamente manipulável? Torna-se tanto mais relevante à medida que se constata que a lei procede por discriminações. Pode servir-se de quaisquer matrizes, inclusive aquelas vedadas nas Constituições (do contrário não haveria “polícia feminina”). Basta que exista “um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial escolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses
prestigiados na Constituição”. Assim: 1) quanto ao fator de discriminação, transgride a igualdade a norma: 1.1) que individualiza o sujeito no presente e definitivamente (a que se refere a sujeito único atual, determinado ou determinável e a que for concreta e, simultaneamente, individual); 1.2) que adota fator alheio (não residente) às coisas, sujeitos ou situações, como o tempo tomado enquanto tal; 2) quanto à correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida: é ela que determina a “racionalidade” da discriminação (mas se assume que está condicionada a concepções de época); 3) a mesma correlação deve guardar congruência com os valores constitucionalmente protegidos; 4) por fim, a desequiparação deve ser “assumida” pela norma (há de ser um efeito desejado por ela). Sem embargo da afeição e extremo respeito que temos pelo ilustre publicista, notamos que suas conclusões, conquanto excelentes guias para decidir um grande número de casos, deixam alguns de fora. A ilegitimidade do fator discriminatório individualizador atual e definitivo do destinatário criaria empeço para a lei que concedesse pensão especial a ‘x’, por ser viúva de ‘y’. Quanto ao fator tempo em si, já foi adotado, com o placetde nossa Suprema Corte, para fins de isenção do imposto de importação (a data da expedição da declaração de importação). Os critérios diferenciais, dependendo da concepção que se tenha sobre a linguagem, jamais residiriam nas coisas, teriam antes modo de ser especificamente conceitual. Os valores constitucionalmente positivados normalmente estão em tensão dialética, de modo que possa haver dúvida acerca de eventual contraste com o trato diferenciador prescrito. Por derradeiro, será difícil indagar a um ente inanimado se “desejou” ou não certa desigualação, o que abre uma questão de hermenêutica, incorrendo-se nas inexoráveis subjetividades.
A título de confrontar liberdade e igualdade, o assunto foi abordado por MEIRELLES TEIXEIRA. Seu ponto de partida é a afirmação da igualdade de essência dos homens, à qual se soma a desigualdade individual e social. Diante disto, o Estado pode comportar-se de três maneiras. “Tratará igualmente a todos os indivíduos e a todas as situações”, se for “liberal-individualista”. À luz do que se estudou até aqui, ousamos discordar do mestre de tantas gerações. Certamente, o que quer dizer é que se fará pouco caso
das desigualdades econômicas, mas nem o Estado Liberal propugnou absoluta igualdade, porque, como vimos, restaria impraticável. A segunda atitude seria a de promover “a igualdade social absoluta, criando, por exemplo, a sociedade sem classes, sem desigualdades”. De novo, deve-se assinalar que desapareceriam, apenas, as próprias classes, resultando confuso chamar esta igualdade de “absoluta”. Entre esses extremos, uma terceira posição distinguiria as “desigualdades legítimas e desigualdades ilegítimas”, expressões cuja vacuidade já tivemos ocasião de verificar. Mas o notável professor especifica que se trataria da “igualdade jurídica proporcional às categorias e situações sociais”, isto é, um conceito “orgânico-personalista”, que “exige seja cada um tratado de acordo com o que é” e a reclamar “estatutos jurídicos distintos, diferenciais, ou mesmo preferenciais”. Exemplifica a não-rigidez do princípio em matéria tributária, de nacionalidade, de religião, de direitos políticos, de acesso a cargos públicos, de auxílio e subvenções, para inferir que se especializa “em círculos ou categorias especiais de normas jurídicas”. Dirige-se, ademais, tanto à lei feita quanto à lei in fieri; bem como aos três poderes e em benefício de todos os indivíduos. Finalmente, chega-se a que a igualdade seja a “medida da liberdade”. Eis um exemplo do que se poderia batizar de aproximação retórica. Se não se avança além do que disse ARISTÓTELES – há 2.300 anos – do tratamento dessemelhante dos desiguais, pouco adianta indicar a abrangência do princípio. Tanto faz a que ou a quem se aplica um sem-sentido. O que se procede é a exaustiva repetição, em várias nuances, de que o tratamento unívoco não é viável em toda circunstância, o que nada acrescenta em termos teóricos.
Menor profundidade encontrar-se-á nas análises puramente dogmático-jurídicas. TEMISTOCLE MARTINES, comentando o art. 3º da Constituição Italiana, nota que a “egualianza formale” tem por alvo os “cittadini”, os “stranieri” e “apolidi” (contra a literalidade do texto, invoca uma communis opinio). A “pari dignità sociale” está a designar a ausência de distinções por pertinência a uma classe social (que as Constituições Liberais nunca fizeram; eram antes um corolário do sistema), em República fundada “sul lavoro”. Identifica aí a “egualianza davanti alla legge” (na verdade, o programa de extinção de classes seria bem mais ambicioso), mas sendo seu significado também a impossibilidade de discriminações de sexo, raça, língua, religião (o que é impróprio como dedução: estas não se seguem logicamente da primeira; decorrem, sim, da literalidade do texto constitucional – mesmo assim, já vimos que podem ser ultrapassadas, em casos-limite). Mas não que haja “assoluta parità di trattamento”, porque, se assim fosse, o princípio “contraddirebbe se stesso” (esta é a única inferência formalmente correta, mas nada aduz ao que um leigo, com alguma reflexão, perceberia). Quanto às “situazioni di fatto diverse da quelle espresamente indicate”, por “ragioni storico-politiche”, a lei “può operare discriminazioni”. Os destinatários, para além do legislador, são os “amministratori” e os “giudici” (como vimos, isto pouco os auxilia, pois necessitarão de pautas de regularidade que só poderão advir da lei). O art. 3º que MARTINES comenta abrange também a “egualianza sostanziale”, a fim de que os que se encontram em inferioridade econômica tenham as mesmas oportunidades, princípio de caráter programático e endereçado ao legislador e aos demais poderes públicos.
Este tipo de cisão está na mira da crítica austera de PERLINGIERI, para quem o art. 3º da Constituição Italiana deve ser considerado unitariamente. É que “as técnicas interpretativas de cada norma, principalmente se constitucional, devem inspirar-se na ideologia presente no desenho global do ordenamento, sem dissociar as proposições, de acordo com o critério do conhecimento global e sistemático”. Divorciar a igualdade formal da substancial tende a atribuir à última natureza programática, esvaziando-a de qualquer conteúdo. Há ainda quem identifique o princípio com o da paridade de tratamento, “já presente a nível de normativa ordinária”, mas o certo é que não se exaure nisto. Justifica-se como paridade com fundamento na justiça retributiva (independendo de previsão superior), enquanto que a prescrição constitucional tende à igual dignidade social. Merecem ademais críticas os que estipulam pretenso antagonismo da igualdade liberal-democrática com a exigência de justiça social; “uma e outra são expressões completas da cláusula geral de tutela da pessoa”. A normativa única não se justifica ontologicamente, mas caso a caso (porém, um critério ontológico vem logo em seguida, já que PERLINGIERI assume haver violação “quando, sem justificações constitucionalmente relevantes, cidadãos em situações iguais recebem um tratamento diverso, seja quando cidadãos em situações diferentes e desproporcionadas recebem um tratamento idêntico”). O instrumento mais relevante para realizar o par. 2º do art. 3º “é a intervenção legislativa reformadora e, principalmente, aquela administrativa, que se tornam possíveis mediante a despesa pública, à qual o cidadão é obrigado a contribuir de acordo com a própria capacidade”. Não é possível, sem adaptações, o transplante da carga inovadora da igualdade substancial nas relações privadas. O valor da justiça social contribui em sede interpretativa, para individuar o conteúdo jurídico de certas cláusulas gerais. E como “é da República” o ônus de remover os obstáculos que neguem símile dignidade aos cidadãos, não é o caso de recair sobre esse ou aquele sujeito, escolhido ao acaso ou com base em um ódio político.
JORGE MIRANDA ensaia análise de amplo espectro e profundidade. Faz ver que há uma “tensão insuprimível” entre liberdade e igualdade; entre esta e o “direito à diferença”. Atenção peculiar suscita a dicotomia igualdade “jurídico-formal”, “perante a lei” ou “liberal” e a igualdade “social”, “efectiva”, “real”, “material”, “concreta”, reconhecendo-se que não é correta a contraposição; a sedimentação desta faz-se pela passagem daquela de programática a preceptiva em “domínios crescentemente alargados”. A conquista da igualdade vem-se conseguindo em concreto, mesmo acompanhada do aparecimento de novas desigualdades. A Constituição Portuguesa não se cinge a declará-la; aplica-a a “zonas mais sensíveis”, “daí um sistema bastante complexo e talvez demasiado ambicioso”. Dentre as conquistas nesta seara são expressamente arroladas “as alterações ao Código Civil, que firmaram a igualdade de estatuto familiar dos cônjuges, com eliminação do poder marital, e a igualdade de direitos dos filhos (Decreto-Lei n. 486/77, de 15 de novembro)”. Mesmo uma análise sumária assenta três “pontos firmes”: a “igualdade não é identidade”; significa “intenção de racionalidade” e, em último termo, intenção de justiça; encontra-se “conexa com outros princípios”. O sentido primário do princípio é negativo (vedação de privilégios: “situações de vantagem não fundadas”); e “trata-se também de proteger as pessoas contra discriminações”. Mais exigente é o sentido positivo: tratar igualmente situações iguais; desigualmente as desiguais; como faculdade ao legislador em alguns casos, obrigação em outros; em moldes de proporcionalidade; e das situações não só como existem, mas como devem existir (igualdade através da lei). A proporcionalidade largamente se lhe sobrepõe, apontando-se habitualmente três subprincípios: necessidade, adequação e racionalidade. Os destinatários são os órgãos legislativos, os tribunais e a Administração. E, de forma menos abrangente, os particulares, nominadamente no interior de pessoas coletivas. O eminente professor coimbrão é jurista demasiado bom para incorrer nos mal-entendidos freqüentes neste tema, sacando-se de suas reflexões duas que aproveitaremos oportunamente: a) o paradoxo de que as ações positivas de concretização da igualdade multiplicam os regimes jurídicos particulares; b) a inconveniência de se opor a igualdade formal à material, assimilando-se-lhe à igualdade de nascimento “burguesa” (passe o termo).
Neste ponto, faz-se oportuno sintetizar o que julgamos se possa adquirir destes conceitos e reflexões:
1. O primeiro óbice a se afastar está na atitude desalentada de quem conceba a igualdade (e a justiça à qual está ligada estreitamente) como conceito vazio ou puramente ideológico (ideologia aqui tomada como disfarce de interesses materiais). Do contrário, esvaziar-se-ia do mesmo modo sua repercussão no Direito Positivo (de onde a superficialidade e o modo com que alguns tratam o assunto);
2. O que não quer dizer que sejam possíveis soluções isentas de alguma indeterminação. Todavia, muitos acidentes comunicativos serão prevenidos se o teórico estiver alerta para os diferentes graus de abstração da idéia:
a) de igualdade como conceito absoluto: é o mais abstrato (a cada qual o mesmo) e impraticável, portanto pode ser deixado de lado. Este aviso pode afigurar-se óbvio, mas não é, porque este sentido inoperante pode ser reintroduzido, sub-repticiamente, no raciocínio e no discurso, gerando insolvência verbal;
b) de igualdade relativa, segundo certos parâmetros que procuram concretizar o aspecto positivo (igualdade dos iguais) e o negativo (desigualdade dos desiguais) do princípio: são eles a igualdade pelas partes uniformes, pela proporção, pela capacidade, pelo mérito, pela necessidade, pela posição, pelas obras e minimalista (de nivelamento);
c) note-se que ainda são abstratos e estão em hostilidade recíproca, mas é útil verificar que toda norma, enquanto geral (enquanto padrão de regularidade) os aproveita em terceiro nível de concreção. Neste sentido que toda norma (geral e abstrata) efetiva o suum cuique tribuere e é inerentemente igualitária (como notou KELSEN), enquanto adota uma daquelas pautas nas hipóteses, mas pode ser criticada sob o ponto de vista das demais e com vistas aos efeitos sociais que sua aplicação produz. Isto introduz um pouco de racionalidade na discussão sobre a igualdade “na lei”.
3. De outro lado, há o que se chama de “igualdade perante a lei” (que postula que o padrão de regularidade seja aplicado imparcialmente a quem a lei iguala e diferentemente a quem desiguala). A ênfase nesta igualdade formal coincidiu, historicamente, com as Revoluções liberal-individualistas, mas é errônea sua assimilação, mui freqüente, com a igualdade “burguesa” (à falta de nome melhor). O princípio da igualdade perante a lei é indissociável dos parâmetros de tratamento de qualquer norma geral e não se opõe, antes é suposto, por aquelas que visem à assim chamada igualdade “material” (melhor seria apelidá-la “econômica” ou “social”, para afastar de vez as obscuridades). A igualdade dita “real”, pois, não significa senão a adoção de novos paradigmas de justiça pelos ordenamentos sensíveis às diferenças de fortuna, que só serão coerentemente aplicáveis se respeitada a igualdade “formal”.
Como dissemos, esta é condição de realização daquela. De outro modo, o próprio ordenamento entraria em colapso, sem realizar igualdade de espécie alguma;
4. A admissão de que só sejam funcionais as igualdades “relativas” explica porque o legislador não possa atuar senão procedendo discriminações. O tratamento previsto no conseqüente da norma jurídica depende de um recorte na realidade descrito no antecedente. A promoção de políticas de igualdade “substancial” não pode senão criar um amplo espectro de regimes jurídicos particulares. O excesso destes regimes, no limite, levaria à “perda de generalidade da lei” e uma ordem paradoxal em que só se fizessem diferenciações;
5. Se toda norma geral discrimina, é saudável, por decorrência, exigir que sua juridicidade dependa de correlação lógica entre o critério diferenciador e o tratamento distinto que prescreve. Por outro lado, é explicável certa desconfiança com as normas individuais e concretas, embora não pareça que estas possam ser totalmente suprimidas, anulando-se qualquer juízo de equidade do legislador;
6. A igualdade, enfim, não é um rótulo vazio nem um conceito exato, suportando diversas concretizações históricas segundo as pautas (dentre as mencionadas; não são de número infinito nem indetermináveis) que, culturalmente, pareçam ser de materialização mais urgente e isto se faz por via de reforma legislativa. Por isto é que não julgo oportuno chamar a vertente econômica de igualdade “real”. Reais são todas as formas do princípio concretizar-se, que serão identificadas pelos juristas, primariamente, pelas determinações que tomam nas Cartas Constitucionais.

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