segunda-feira, 2 de maio de 2011

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA SUPERA CAPACIDADE DO CUMPRIMENTO CONSTITUCIONAL DO MP/BA, EM ITABERABA

A presente pesquisa tem o objetivo de discutir a interpretação do art. 37, § 5º da Constituição Federal, frente à Lei de Improbidade Administrativa.
Com efeito, determina o art. 37, § 5º que "a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as ações de ressarcimento".
Em virtude do referido artigo, pode-se afirmar que o prazo prescricional das ações de improbidade administrativa, previsto no art. 23, da Lei nº 8.429/92, não se aplica ao ressarcimento de danos decorrentes de atos ímprobos. Lança-se então duas questões: 1- qual a ação destinada a pleitear o ressarcimento de danos decorrentes de atos de improbidade prescritos, frente ao art. 23? 2- diante do que determina o art. 37, § 5º, o ressarcimento de danos na situação antes referida é imprescritível?
O presente trabalho pretende discutir e apresentar posicionamento quanto a estas questões.
Dentre as novidades trazidas pela Constituição Federal de 1988, cumpre destacar o artigo 37, § 4º da Constituição Federal, segundo o qual "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens, e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista na lei, sem prejuízo da ação penal cabível".
Apesar do referido dispositivo constitucional não ser dotado de auto-executoriedade, não se pode negar que a previsão expressa de "atos de improbidade" constituiu um grande avanço no combate à atuação desvirtuada do Administrador Público, muitas vezes voltado à satisfação de interesses pessoais.
Nenhum texto constitucional anterior ao de 1988 ousou utilizar a expressão ato de improbidade administrativa, limitando-se a contemplar o enriquecimento ilícito, sempre de difícil demonstração.
Com a previsão da figura da improbidade e o rigoroso combate a este mal que corrói a Administração Pública, através da utilização de medidas legais que atingem a pessoa do administrador ímprobo, criou-se uma esperança de modificação em nosso cenário político-administrativo, fazendo com que somente participe dos mesmos aqueles dispostos a atuar em prol da coletividade, colocando de lado a visão individualista, característica inegável dos nossos administradores públicos.
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Em 02 de junho de 1992 foi publicada a Lei Federal nº 8.429, que regulamentou o artigo 37, § 4º da Constituição Federal, dispondo sobre os atos de improbidade administrativa.
Apesar do avanço que esta lei representa - dada a sua amplitude voltada a extirpar do âmbito da Administração Pública não somente aqueles agentes públicos que tenham enriquecido ilicitamente as custas da função pública, como também aqueles que causam prejuízo ao erário ou violam os princípios norteadores da Administração Pública – a Lei de Improbidade Administrativa mereceu uma série de críticas.
Mistura normas de direito civil, administrativo, penal, processual penal e processual civil. Utiliza-se de forma descuidada das expressões dolo e culpa o que levou vários doutrinadores, a princípio, a conferir natureza penal à Lei nº 8.429/92. Por outro lado, a amplitude dos atos enquadrados na lei como ímprobos aliados à severidade das sanções impostas, tem causado certas controvérsias e hesitações na esfera jurisprudencial.
Dentre as divergências doutrinárias em torno da Lei de Improbidade, chama-nos atenção pontos concernente ao prazo prescricional do ressarcimento de danos decorrente da atuação ímproba.
Da prescrição da ação de improbidade e o meio processual adequado para obtenção do ressarcimento
Determina o artigo 37, § 5º da Constituição Federal que "a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvado as ações de ressarcimento" (grifo nosso).
A lei nº 8.429/92, por sua vez, determina no artigo 23 que "as ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I- até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos caso de exercício de cargo efetivo ou emprego." Observe-se que não é feita qualquer ressalva quanto aos tipos de sanções.
O vocábulo prescrição vem do termo latino praescriptio, que significa "escrever antes" ou "no começo".
De acordo com Câmara Leal a prescrição pressupõe um direito efetivo que pereceu por não ter sido proposta a ação que lhe correspondesse. Assim, tem por objeto as ações, sendo uma exceção oposta ao exercício da ação.
Segundo Pontes de Miranda "os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade". Acrescenta que a prescrição não se refere somente à ação, atingindo toda eficácia da pretensão. Desta forma, o exercício da pretensão ou da ação é limitável, no tempo, pela prescrição.
O que caracteriza a prescrição é que ela não atinge o direito propriamente dito e sim a ação. Desta forma, o direito tem prescrita a ação (ou pretensão) que dele se irradia. O não uso da ação atrofia a capacidade de reação.
Este instituto foi criado com o propósito de trazer segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas pela possibilidade de propositura de ações por prazos indeterminados.
Os direitos de natureza patrimonial que se exercem mediante pretensão condenatória estão sujeitos à prescrição.
Já trazido o alcance conceitual da prescrição, podemos voltar ao § 5º do artigo 37 da Constituição Federal, que na sua primeira parte determina que a lei deverá fixar o prazo para o exercício da ação que vise responsabilizar os agentes públicos por atos que causem prejuízo ao erário.
Assim, veio a Lei nº 8.429/92 e estabeleceu no artigo 23, antes referido, o prazo para o exercício da ação de improbidade administrativa, destinada a levar a efeito as sanções previstas naquele diploma legal. Decorrido o lapso de tempo ali previsto, não poderá mais se ingressar com ação com fundamento na Lei nº 8.429/92, porque esta estará prescrita.
Ocorre que a parte final do §5º do artigo 37 da Carta Constitucional faz a ressalva das ações de ressarcimento de danos.
Sabe-se que o ressarcimento de danos é uma das conseqüências jurídicas da Ação de Improbidade, prevista nos incisos do artigo 12 da Lei nº 8.429/92, aplicável toda vez que o ato de improbidade cause dano material ou moral à Administração Pública. Lançamos então dois questionamentos: 1º decorrido o prazo prescricional previsto no artigo 23 da lei nº 8.429/92, como seria pleiteado o ressarcimento de danos, não atingido por este prazo em virtude do referido dispositivo constitucional? 2º qual seria o prazo para se propor o ressarcimento de danos frente ao disposto no § 5º do artigo 37 da Lei Maior?
No que concerne a primeira questão, sabendo que a prescrição atinge as pretensões e ações, pensamos que decorrido o prazo prescricional, previsto no artigo 23, não mais se poderá ingressar com Ação de Improbidade com fundamento na Lei nº 8.429/92, para levar a efeito a aplicação das sanções previstas no artigo 12, do mesmo diploma legal.
Com relação à pretensão do ressarcimento de danos causados ao erário em decorrência do ato de improbidade administrativa, que não será atingida pelo prazo prescricional previsto na Lei nº 8.429/92, em face de exceção imposta pelo texto constitucional, entendemos que tal ressarcimento poderá ser pleiteado pelo Ministério Público ou pessoa jurídica interessada através de Ação Civil Pública reparatória de danos, com fundamento na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
Assim, a ação visando o ressarcimento dos danos conseqüentes de ato de improbidade administrativa, não estará sujeita ao rito especial previsto na lei nº 8.429/92, uma vez que não mais estaremos diante de uma Ação de Improbidade Administrativa, já prescrita, e sim perante uma Ação Civil de ressarcimento de danos.
Da prescritibilidade do ressarcimento de danos na improbidade administrativa
Daí surge à segunda questão: não estando o ressarcimento dos danos, causados ao erário por agentes públicos, sujeito ao prazo prescricional previsto no artigo 23 da Lei nº 8.429/92 em razão do artigo 37, § 5º da Carta Constitucional, seria esta conseqüência jurídica imprescritível?
Pensamos que não.
A prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de direitos reais, privados ou públicos. Com efeito, a imprescritibilidade é excepcional.
Dentre as pretensões imprescritíveis, Pontes de Miranda aponta as pretensões declarativas, as pretensões à decretação de nulidade, as pretensões à cessação de comunhão e à partilha, pretensões a fazer cessar confusão de limites e as demais pretensões concernentes a direita de vizinhança e à retificação do registro de imóveis de aeronaves e de navios.
Conforme afirma CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, a prescrição alcança todas as ações patrimoniais, reais ou pessoais, estendendo-se aos efeitos patrimoniais de ações imprescritíveis.
No que se refere às ações de ressarcimento de danos decorrentes de atos de improbidades, apesar de a Constituição Federal tê-las excluído do prazo prescricional a ser estabelecido por lei, não afirmou que estas seriam imprescritíveis. Pensamos que o texto constitucional pretendeu que não fossem estabelecidos prazos inferiores ao constante no Código Civil.
Observe-se que toda vez que o texto constitucional estabelece a imprescritibilidade o faz expressamente. Assim, quanto trata do crime de racismo estabelece que "constitui crime inafiançável e imprescritível" (art. 5º, XLII). Da mesma forma, afirma que "constitui crime inafiançável e imprescritível" a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático (art. 5º, XLIV). Ora, o artigo 37, § 5º da Constituição apenas afirma que as ações de ressarcimentos decorrentes de prejuízos causados ao erário não estarão sujeitas ao prazo prescricional a ser estabelecido em lei para ilícitos praticados por agentes públicos. Em momento algum afirmou que estas ações de ressarcimento seriam imprescritíveis.
Argumentar-se, em favor da imprescritibilidade do ressarcimento dos danos decorrentes de ato de improbidade administrativa, a proteção ao erário e, em conseqüência, ao interesse público, não procede.
Como vimos os prazos prescricionais estão a serviço da paz social e da segurança jurídica, valores primordiais à coletividade, que não podem ser suplantados por interesses de cunho patrimonial, mesmo que este pertença ao Estado. Observe-se que a preocupação com tais valores é tamanha em nosso ordenamento jurídico que até o crime de homicídio, que atenta contra a vida – bem maior passível de proteção – prescreve em 20 anos.
FÁBIO MEDINA OSÓRIO, manifestando-se quanto à matéria, questiona a linha interpretativa da imprescritibilidade do ressarcimento de danos decorrente de ato de improbidade frente ao princípio constitucional da segurança jurídica. Acrescenta o autor que "é caso de questionar essa idéia, pois a quebra e a violação da segurança jurídica não é um bom caminho de combate às práticas nefastas ao patrimônio público. Entendo que um amplo e larguíssimo prazo prescricional deveria ser criado para as hipóteses de lesão ao erário, mas não se poderia aceitar a total imprescritibilidade, ao menos do ponto de vista ideológico".
O novo Código Civil, visando imprimir maior importância à segurança das relações jurídicas, estabelece em seu art. 205 que "a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo maior". Ou seja, não mais se estabeleceu a prescrição vintenária para as ações pessoais, distinto das ações reais. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery comentando o referido diploma legal afirmam que "a prescrição existe em razão da segurança que as relações jurídicas devem ter. Portanto, quando não houver previsão expressa na lei para o exercício da pretensão condenatória, o prazo de prescrição dessa pretensão é o determinado pela norma ora comentada: dez anos".
Militamos no sentido de ser dada plena eficácia a Lei de Improbidade, concordamos que agentes públicos ímprobos devem ser extirpados do quadro da Administração Pública, devendo, também, reparar todo e qualquer dano causado ao patrimônio público. Porém, não concordamos com a interpretação extensiva que se vem atribuindo ao artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, pois tal interpretação viola o princípio da segurança das relações jurídicas, podendo ser mais lesiva ao interesse público do que o próprio dano material ou moral proveniente do ato de improbidade, diante das instabilidades que poderão rondar as referidas relações. Ademais, deve-se convir que "o direito não socorre os que dormem".
Desta forma, entendemos, ao contrário da maioria da doutrina, que referidas ações civis de ressarcimento, prescrevem no prazo de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil. Ademais, nada justifica a inércia na propositura da ação diante de prazo tão dilatado, cabendo ação regressiva contra aqueles que derem causa a prescrição por dolo ou negligência.
Conclusões
1 - Em virtude do que determina o art. 37, § 5º, da Constituição Federal, pode-se afirmar que o prazo prescricional das ações de improbidade administrativa, previsto no art. 23, da Lei nº 8.429/92, não se aplica ao ressarcimento de danos decorrentes de atos ímprobos;
2 - Decorrido o prazo prescricional previsto no art. 23, da Lei nº 8.429/92, o ressarcimento de danos deverá ser pleiteado através de uma Ação Civil de ressarcimento de danos e não mediante Aça de Improbidade, com fundamento na lei supra referida;
3 - Apesar do art. 37, § 5º da Carta Constitucional ter excepcionado o ressarcimento de danos do prazo prescricional previsto para os ilícitos praticados por qualquer agente, pensamos que tal ressarcimento não é imprescritível, ma vez que a Constituição não se referiu a imprescritibilidade, como fez em outros dispositivos;
4 - Considerando o princípio da segurança das relações jurídicas, pensamos que a intenção do legislador constitucional, ao estabelecer a exceção antes referida, foi garantir que fosse aplicado o prazo prescricional previsto no art. 205 do Código Civil, segundo o qual "a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo maior".
O artigo 141 da Constituição Federal de 1946, por exemplo, além de prever no § 38 a possibilidade da declaração de nulidade ou a anulabilidade dos atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados e dos Municípios, contemplando, ainda, as entidades autárquicas e as sociedades de economia mista, determinou no seu § 31 que a lei deveria dispor sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso do enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica.
A Constituição de 1967, por sua vez, trouxe no artigo 150, § 31, a previsão constitucional da ação popular que exigia a ocorrência de lesividade ao patrimônio público, decorrente de ação dolosa, culposa ou ilegal do agente público.
O Ato Institucional nº 5, no artigo 8º, concedia poderes ao Presidente da República para decretar o confisco de bens de todos que tenham enriquecido ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquia, empresas públicas e sociedade de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. O Ato Complementar nº 42, de 27 de janeiro de 1969, regulamentou a decretação de confisco de bens, apresentando um rol exemplificativo de casos de enriquecimento ilícito.
Por fim, o Ato Institucional nº 14 alterou o artigo 150, §11, não admitindo o confisco, salvo em situações excepcionais enumeradas, remetendo a legislação infraconstitucional à disposição sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direita ou Indireta. Esta redação foi mantida no artigo 153, §11, após a Emenda Constitucional nº 1/69.
Cumpre ressaltar a abrangência do conceito de agente público trazido no artigo 2º da Lei de Improbidade, superior a constante do artigo 327 do Código Penal.

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